Hoje falarei um pouco respeito da criação da performance (ainda sem título) que apresentei na noite 27/5, no 1º Festival EMBUsca das Performances, realizado no Centro Cultural Mestre Assis, como parte da programação da EXPO Contemporâneos 2016.
O interessante da linguagem performática é o imediatismo do acontecimento que se desenrola de toda uma bagagem cultural e emocional pré-existente. Na performance, temos apenas a ideia do que fazer, não sabemos de fato o que vai acontecer na hora e isso é o elemento desafiador.
Confirmei a minha presença faltando três horas mais ou menos para oi inicio do evento e, por razões que não cabem ser ditas aqui, eu não teria a presença da minha parceira em cena. A ausência da Lua gerou em mim o questionamento sobre o que apresentar para representar nós dois e a qualidade geral do nosso trabalho. Já tinha em mente falar sobre o hediondo caso do estupro coletivo do Rio de Janeiro. Estou de fato muito incomodado e assustado com os rumos que a sociedade vem tomando nos últimos meses, mas na última semana chegamos a um estágio por demais absurdo, e eu, que até então não havia me posicionado abertamente, decidi quebrar a compostura, mas já que era pra quebrar tinha de ser pra esmigalhar a marretadas; porque não podemos aceitar que o Ministério da Educação de um pseudogoverno que se instaurou por meio de um golpe permitido pelo Ministério Público se abra pra receber conselhos de criminoso confesso e na mesma semana nos vemos chocados por uma notícia como a já citada. É um absurdo sem tamanho, assim como as generalizações que por silogismo colocam todo homem como objeto de desprezo por medo.
E toda essa ideia se tornou palpável, artisticamente falando, quando me lembrei de uma outra performance tinha feito no Sarau Juntos na Casa de junho ou julho de 2014, que tinha tido como tema o sexo e o erotismo. Claro, no sarau de 2014 a intenção da performance era outra. Mas é justamente aí que reside a potência da literatura. Um texto, por mais bem escrito que seja, sempre abre margens a várias interpretações e entonações, podendo, portanto, abrigar em si variadas situações; e somente quando a palavra ganha o estado de voz é que se pode notar qual é o ponto de vista de quem está falando, isso é atuação!
Uma vez tendo a intenção e escolhido o texto, que é composto pela a primeira parte da música "Cuori in Tempesta" do cantor e compositor italiano Nek e uma poesia de minha autoria, chamada "O Oitavo Espectro da Luz"; chegou a hora de pensar em como, para além do texto e da atuação, eu podia fornecer pistas para que o público entendesse do que se tratava. A primeira coisa que me ocorreu foi a nudez, mas apesar de perfeito em ideia, não me senti seguro para isso. A segunda ideia que me ocorreu foi usar uma lingerie vermelha. A intenção seria mostrar que, mesmo com tanta erotização dos corpos, sobretudo os femininos, através do modo de se vestir, não há fatores que viabilizem ou justifiquem atos de abuso sexual. Mudei de ideia por causa da conotação sexual consentida da lingerie, o pensamento foi: "Se a roupa realmente não importa, não tenho que sexualizar. Talvez o caminho ideal seja o oposto disso, no sentido de mostrar que muitas vezes os corpos são erotizados pela perversidade de quem vê." E foi assim que notei que minha crítica podia ir mais além, passando pela erotização de crianças. Apostei na infantilização do figurino. Peguei uma camisola e meias coloridas da Lua e um casaco meu. Por fim, pensei em algo para simbolizar o ato do estupro e o sangue da vítima e peguei um tomate para ser devorado durante a performance.
Por que um tomate? Várias acepções ligadas à cor (proibição, instinto, desejo sexual, agressão, sangue, raiva, tudo isso vibra em vermelho na minha mente), a ideia de ser uma fruta que não é costumeiramente consumida como tal em nossa cultura também me agradou, queria fugir da maçã óbvia que remeteria erroneamente a um pecado bíblico. Além disso o tomate, me daria um suco avermelhado que enrubesceria a camisola. E quanto ao ato de comer, a intenção era mesmo sexualizar. Teria que ter apenas um cuidado: não passar a imagem de desfrutar. Meu objetivo era um animal faminto que devora a primeira coisa que vê pela frente, queria transmitir raiva e agressividade ao comer.
Quis compartilhar como foi a montagem ideológica da performance por três motivos:
1. Para divulgar mais o meu ponto de vista sobre os acontecimentos sobre qualquer caso de estupro.
Há muita polêmica em torno deste caso do Rio, notícias de laudos que contradizem o ato criminoso, e está mais do que clara a intenção da mídia em desviar as atenções da gravação de áudio que denuncia a armação do golpe político, mas quando um caso de estupro como este vem à tona, ´[e necessário parar rediscutir os conceitos básicos de educação e cidadania, para que possamos um dia ter instrumentos públicos realmente eficazes em proteger e aparar nossas mulheres e crianças desse tipo de agressão que tanto deixa marcas profundas nas vítimas.
2. Para trocar experiência e partilhar conceitos e bagagens culturais. Nós temos a política de partilhar descobertas e processo criativos, pois acreditamos que, ao partilhar esse tipo de processo, estamos contribuindo para a formação de um publico ativo, auxiliando na fomentação crítica e artística de nossos leitores e dando ferramentas para os jovens artistas.
3. Mostrar todo o trabalho que um artista tem em termos de montagem ideológica, estética, textual, cênica e corporal, até para as menores apresentações. Nós, bem como muitos artistas que ainda não gozam de fama, somos frequentemente colocados à margem da sociedade. Esta é uma maneira de lutar peça valorização da arte enquanto trabalho do artista e do trabalho artístico com profissão.
Abaixo fotos da apresentação e o vídeo da música "Cuori in Tempesta", mas, antes, gostaria de refazer o convite para Sábado, 4/6, às 19:00 horas. Nessa data, estaremos com o Espetáculo "O Brilho de uma Alma" no Centro Cultural Mestre Assis (Largo 21 de Abril, 29, Embu das Artes - Centro) e estão todos convidados! A entrada é franca e passaremos chapéu ao final.
Fotos por Raja Denis e Renato Gonda:
Edgar Izarelli