Olá, gente! Eis que depois de uns anos afastado, retorno para onde pulsa meu coração. Transmitir o conhecimento artístico e a ideia de que qualquer pessoa pode serr um artista da palavra, essa é uma das minhas missões de vida.
Retomando no texto anterior, "Considerações sobre a Intensidade", vimos que a referida Partícula Rudimentar funciona de maneira a colocar o leitor numa atmosfera, numa tensão que facilita ou difuculta o acesso emocional ao texto.
Retomando no texto anterior, "Considerações sobre a Intensidade", vimos que a referida Partícula Rudimentar funciona de maneira a colocar o leitor numa atmosfera, numa tensão que facilita ou difuculta o acesso emocional ao texto.
No presente artigo, abordaremos a partícula rudimentar que,
se bem trabalhada, pode converter pessoas de qualquer idade, credo, raça ou
condição social em fascinantes escritores, poetas, compositores e afins; pois,
como veremos no decorrer desta discussão, é o equilíbrio deste com os outros
aspectos fundamentais, principalmente em relação à intensidade, que confere ao
texto a tão estimada atemporalidade literária, porque garante um ar
inesquecível ao labor da palavra. Falo, é claro, da Profundidade.
Um ponto primordial ao trabalho ao qual nos debruçaremos a
partir de agora é a noção de que as artes em geral, principalmente aquelas que
não dependem necessariamente de materiais externos ao artista, como literatura,
dança e teatro, não são em si nada
elitistas em sua produção enquanto objeto simbólico das muitas realidades que
permeiam a condição humana.
O que quero dizer com isso é: fazer arte enquanto uma
investigação pessoal que leva a uma interpretação de mundo, sobretudo nas três
possibilidades listadas acima, não é caro porque não se precisa de nada além do
que o próprio corpo, tempo para praticar, boa memória e, talvez, um papel e
qualquer coisa que cumpra função de lápis para escrever. A arte se torna
economicamente inacessível enquanto produto capital porque os bons veículos de
propagação da arte são caros. Por exemplo, tecer bons textos poéticos vai
demandar apenas tempo e, se houver condição, um pacote de sulfite e uma ou duas
canetas; porém, para publicar uma quantidade razoável de livros numa boa
editora, são necessários, no mínimo, alguns mil reais, no caso de uma
publicação comprada, ou dedicação total à divulgação do trabalho para, quem
sabe, alcançar e cativar algum interesse de algum possível patrocinador.
O que isso tem a ver com o tema da profundidade literária? Bom,
há três pontos.
O primeiro é que graças ao processo de edição ser tão caro, muitos
fascinantes artistas da palavra são desconhecidos ou conhecidos apenas nas suas
localidades e, com essa exclusão, acabam não sendo muito estudados e, mesmo
aqueles que conseguem uma visibilidade dentro e fora do país, não são incluídos
nas grades curriculares dos ciclos educacionais públicos. Por isso, perpetuamos
nomes mortos e prosseguimos propagando paradigmas literários muito bons, mas,
muito antigos. Isso afeta de maneira crucial a nossa discussão sobre a
profundidade, uma vez que as frases consideradas profundas o bastante para
guardarmos em memória, em sua vasta maioria, são as frases mais profundas de
grandes autores que gozam de ampla disseminação cultural e que, de alguma
maneira, caíram na graça popular e, por esse motivo, tornaram-se clássicos da
literatura. Claro, não estou desmerecendo o trabalho destas pessoas, a maioria
grandes gênios da literatura que, em geral, obtiveram o sucesso que obtiveram
pela indubitável qualidade de sua obra que, certamente, continuarei a emprestar
para exemplificar minhas teorias; apenas quero inferir que estes autores já
popularmente consagrados não são os únicos que escrevem bem, nem são os
melhores, são apenas os expoentes mais famosos que, apesar de clássicos, não
representam mais a integridade da literatura contemporânea em sua diversidade.
Ainda nesse ponto, é necessário analisar que graças a leis
de incentivo cultural, selos editorias de grupos independentes, editoras de
pequeno porte, impressão sob demanda, concursos literários e financiamentos
coletivos, a publicação de um livro nas últimas décadas se tornou um sonho mais
palpável. O resultado é uma grande explosão de nomes que estão conseguindo
consumar publicação de uma obra, assim, ganhando o mercado literário e
alterando a balança qualitativa da arte, pois, como em qualquer mercado, o mais
vendido é o que tem mais visibilidade, mas, nem sempre representa o melhor da
literatura; uma vez que muitos destes artistas, em sua maior parte jovens,
ainda não têm uma boa base de críticos (essenciais para a evolução do trabalho)
ou mesmo estudos mais aprofundados sobre o fazer literário artístico, acabam
por lançar-se em obras rasas, com seu estilo ainda indefinido ou em lapidação,
e, em minha opinião atual (visto que eu mesmo cometi esse “erro” em minhas
primeiras experiências de publicação), colaborando para que o paradigma de artista da palavra
continue à margem da profissionalização.
Claro, em muitos casos, acontece de o primeiro livro
publicado converter-se em estopim para a evolução literária, por isso uma
primeira publicação é tão importante e não pode ser desprezada. Alguns, porém,
rejeitam a ideia de mudar de estilo ou aprimorar o que praticam, é verdade; entretanto,
também existem aqueles que, apesar da publicação, não sabem que podem melhorar
ou não sabem onde podem conseguir ajuda, porque frequentemente convivem e
partilham experiências apenas com pessoas geograficamente próximas e/ou que cultivem
os mesmos estilos literários e acabam restringindo-se a um único viés
literário.
E aqui, finalmente, adentramos no segundo ponto dessa
discussão preliminar. Embora a arte literária em si não seja nada elitista em
sua prática, o conhecimento teórico sobre escrita criativa ainda pertence a
poucos. As razões para isso passam por muitos campos, desde desinteresse dos
artistas em partilhar o que sabem, se mesclando nesse ponto com a baixa
tolerância a críticas por parte da maioria dos artistas da palavra, não só os
iniciantes. Claro, há o pouco interesse governamental em formar novos
escritores, não incentivando ou criando espaços para debates literários ou
cursos livres de escrita criativa e, também, a recorrente questão da leitura
não ser cultural no país em que vivemos.
Com tantas barreiras, há pouquíssima gente interessada em
construir um pensamento literário que seja diferente daquele que normalmente é
debatido nos recônditos círculos acadêmicos e termina por ilustrar livros
didáticos que, em sua maioria, trabalham traçando a literatura a partir de um
recorte histórico, sob a óptica comum das escolas literárias. Por abordarem a
arte da palavra dessa maneira, tem-se que estabelecer marcos importantes, como
início e termino dos movimentos, e selecionar (e essa seleção segue um padrão
burguês europeu) nomes expoentes para exemplificá-los; então, prioriza-se o
estudo de características comuns em obras que compõem determinado período
histórico, geralmente, não deixando tempo hábil para um estudo sobre o que
diferencia os autores da época. Por essa razão, enfatizam a análise, pautada
sempre sobre a utilização técnica das figuras de linguagem, de textos já
escritos, sem preocupar-se, de maneira geral, em definir qual efeito essas
ferramentas exercessem sobre o receptor do texto. Muito raramente foca-se na
produção textual artística, o que daria oportunidade para que os estudantes
experimentem o uso desses instrumentos e, mesmo quando o fazem, sugerem que
haja uma correção normativa (certo ou errado) do material produzido o que
dificulta a expressão da criatividade.
Entretanto, nas últimas décadas, graças aos movimentos
literários e musicais periféricos tais, como o RAP, o Funk, a Poesia
Periférica, Marginal e Maloqueirista, os diversos saraus e slams, despertaram
positivamente o interesse de muitas pessoas de varias faixas etárias e outras
tantas diversidades pela leitura e, principalmente, pela escrita que se tornou
uma fonte de renda alternativa para muitas pessoas; cumprindo, assim, com seu importantíssimo
papel sócio-cultural. O problema desses movimentos, em minha opinião pessoal, é
que, em alguns aspectos, algumas pessoas que permeiam estes estilos se fixam
muito a um determinado pensamento, normalmente político ou cultural, que
norteia o fazer artístico. Essa característica sócio-cultural dos movimentos
literários periféricos, quando levada a ferro e fogo, de certa maneira, enrijece
o corpo léxico (palavras usadas nos textos) e, consequentemente, endurece o
campo ideológico, limitando o leque de recursos possíveis e, portanto,
repetindo muitas vezes a mesma profundidade. Dentro destes ciclos (falo com
certo conhecimento de causa, visto que já frequentei muitos destes espaços de saraus), é
um tanto quanto incomum alguém apresentar um pensamento novo ou uma profundidade
que vá além das dimensões sociais, muito por causa da identidade cultural
construída coletivamente que transmite a noção humanamente indispensável de
pertencimento a um grupo, sim; mas a escassez de acesso a exemplos não
acadêmicos (no sentido escolar) e/ou aversão inicial por outros métodos, temas,
abordagens e estilos ainda dificulta muito o desenvolvimento literário de
muitas pessoas. E com isso não quero de maneira nenhuma dizer que a produção literária periférica não é suficiente, muito pelo contrário, acredito que haja campos inesgotráveis para a expansão do potencial artistico, que muitas vezes, acabam atranvancados por um certo dogmatismo temático, lexical ou de qualquer outro gênero.
O terceiro e último ponto a ser previamente discutido é a
importância da profundidade. Como já dito no início, a profundidade é o divisor
de águas no labor da escrita artística, pois, cumpre o papel de imortalizar o
texto e, consequentemente, seu autor e, mesmo que não garanta diretamente o
sucesso financeiro, é esta partícula rudimentar que faz com que, realmente, os
textos sejam mais facilmente transmitidos de um leitor a outro, porque é dentro
dela que reside a força da mensagem artística, a capacidade de trazer ao
consciente coisas que estavam no inconsciente e causar identificação entre o
receptor que mergulhou no texto e a mensagem que lá ele encontrou, bem como,
também passas pelos meandros da profundidade uma outra capacidade, crucial para
as épocas politicamente difíceis, a criação de mensagens subliminares que
passem por possíveis censuras e possam ser compreendidas e reinterpretadas e
re-significadas por alguma parte da população. Claro, para que tudo isso possa
ser efetivar em um texto, há diferentes técnicas que precisam ser adquiridas,
mas o fundamento continua pautado sobre o equilíbrio.
Mais adiante, nos debruçaremos sobre o conceito e veremos as
possibilidades técnicas que permeiam o bom uso da profundidade, por ora, porém,
é interessante notar que a profundidade em si possui um equilíbrio, um meio
termo, que, internamente, não tem ligação direta com os outros aspectos
primordiais, mas que, mesmo assim, é de suma importância para uma boa
construção textual. O equilíbrio entre a mensagem e forma como ela é expressa. Assim
sendo, considerando que a mensagem seja o conteúdo que se deseja transmitir,
temos, num esquema primário, quatro possíveis combinações iniciais, são elas: mensagem
profunda e expressão profunda; mensagem profunda e expressão rasa; mensagem
rasa e expressão profunda; mensagem e expressão rasas. Claro que há muitos
meandros nessa possível divisão.
Daqui para frente, vou tentar clarear as coisas o máximo
quanto possível para mim.
É certo que cada autor, mesmo em se tratando de literatura
artística, vai tender a trabalhar os temas pelos quais em mais interesse,
portanto mais aptidão, geralmente, contemplando o assunto do ponto de vista da
sua formação pessoal, cultural e acadêmica; bem como o receptor de uma mensagem
a interpreta de acordo com as suas bagagens. Então é correto afirmar que todo
texto concebido enquanto arte terá sua profundidade para seu autor, pois, assim
como qualquer expressão artística, registra um sentimento ou encerra um
pensamento, e terá profundidades variáveis a cada receptor.
Então, o que é esta profundidade e afinal como trabalha-la?
Conceituar a profundidade literária tem sido um desafio de todos os filósofos e literatos desde a "Poética" de Aristóteles, então a discussão remonta mais de dois mil e quinhentos anos, quando o dito autor classificou as criações literárias escritas em verso, ou seja, discurso que permite retorno, não precisando transmitir uma ideia retilínea (pensamento lógico de causa e efeito), escrito e pronunciado com base em formas rítmicas estruturadas, que eram, àquela época. naquele lugar, hoje Grécia, usadas principalmente para compor os textos interpretados em espetáculos teatrais que na verdade, ao que tudo indica, eram mais similares ao que hoje entendemos por musicais ou operas.
O interessante é que o filósofo ordenou os gêneros, prestem atenção, os gêneros da literatura artística de sua época numa escala nivelada pelo quê se propõe a contar e pela potencial catarse que seria causada a quem ouvisse ou lesse as diferentes composições, claro, partindo do ponto de vista de suas observações e considerações. Nesta escala, ele coloca que as epopeias - gênero poético extenso que se propõe a narrar a história de um povo, focando em um herói, e equivaleria ao que hoje se concebe como romance ou novela social. exemplos: Ilíada e Odisseia de Homero e já fora do contexto e da forma originais, Os Lusíadas de Luis de Camões e, dentro da modernidade, Morte e Vida Severina de João Cabral de Mello Neto - e as tragédias - gênero de extensão média ou longa que se caracteriza por narrar fatalidades que acontecem na vida da personagem protagonista em decorrência de escolhas efetuadas no sentido de evitar uma previsão negativa que acaba por acontecer em função das decisões tomadas, exemplo: Édipo Rei de Sófocles e, aqui podemos incluir Romeu e Julieta de Wlliam Shakespeare, e, se me permitirem a ousadia de considerá-la um bom ícone de tragédias modernas, A Hora da Estrela de Clarice Lispector - são gêneros de alta qualidade porque conseguem causar o choque que desencadeia reflexões sobre variados aspectos vida, tanto numa dimensão social, quanto na dimensão humana.
Em contraposição à estima do autor pelos estilos acima citados, há o seu desgosto, antipatia e falta de interesse pela poesia lírica e outras composições mais livres que em geral eram acompnhadas por melodias e trabalham sobre a intensidade pessoal a cerca de sentimentos humanos, como, por exemplo, a dor de um amor que não pode ser vivido, tema clássico que desde Safo - um poeta grego - é pauta para grandes trabalhos literários. Com o tempo, a simplicidade e delícia de poder expressar as próprias emoções foi se fazendo popular na poesia.
Mas o que realmente nos interessa dessa exumação histórica é, justamente, notar que desde a primeira teoria sobre arte poética ocidental, montamos uma divisão que coloca como fator qualitativo a possibilidade de ler a obra literária através de diversos ângulos, e, também, tendemos a não nos satisfazer apenas com a intensidade da expressão, já que, mesmo tendo ganhado popularidade pela facilidade de causar empatia, os poetas líricos, vem, gradualmente, através de muita lapidação ao longo dos últimos 6 ou 7 séculos, acrescendo ao gênero maneiras de atingir a profundidade catártica. E se pensarmos na enorme pluralidade de estilos da literatura contemporânea, principalmente em se tratando de poesia e composição musical, perceberemos o êxito do labor lírico precisamente naqueles que, de alguma forma conseguem ir além da pura expressão de suas paixões, criando uma atmosfera propícia a transcendência da mensagem. Claro, há quem se destaque pelo primor do trabalho sobre a intensidade, frequentemente isso acontece na área da composição musical, posto que hoje em dia a música vem sendo comumente encarada como entretenimento, enquanto que a poesia, apesar da gigantesca desvalorização e degradação social da imagem do poeta, ainda resguarda um tom de gravidade, muito em função do distanciamento que tolhe um contato verdadeiro entre massas populares e a poética escrita ou recitada.
A evolução da poesia lírica, bem como a transformação das epopeias em prosa artística, no decorrer da história, cria novas possibilidades de trabalho sobre profundidade literária, sem modificar sua essência. E qual, afinal, é essa essência?
A profundidade é, na minha visão, a partícula rudimentar que se ocupa da importância da mensagem transmitida pela presença constituída, dos possíveis desdobramentos e releituras a que se pode chegar a partir da mensagem inicial, bem como, as reflexões que essa mensagem e suas potenciais interpretações despertarão no receptor. Ou, simplificando, é aquilo no que ficamos pensando enquanto estamos envolvidos pela intensidade do texto e as ideias que são extraídas a partir da repulsa ou da empatia que geramos para com esse pensamento. Por isso há a necessidade de as duas intensidade e profundidade estarem em equilíbrio. Não é uma regra absoluta, mas, quase sempre, há uma relação inversamente proporcional entre as duas, ou seja, quanto mais intenso um texto, menos profundo ele será e vice-versa.
Essa oposição normalmente acontece porque a intensidade é habitualmente operada pela expressão emocional, enquanto que a profundidade é comumente concebida como fruto de uma atividade inteiramente racional. Essa perspectiva, em minha visão, chega, em muitos casos, à inversão da potência poética, pois, tende a ignorar a arte enquanto veículo de expressão do inconsciente tanto individual quanto coletivo e limita o papel do artista aos arredores da filosofia.
O que quero dizer com isso é que profundidade, em qualquer arte, não precisa necessariamente ser estruturada a partir do pavimento de um raciocínio lógico e que, alias, quando nos forçamos a seguir uma corrente acabamos, muitas vezes, por reproduzir em arte a consagração dos mesmos pensamentos que já povoam a mente da maioria pessoas e, ao fazer isso, estamos nos privando de passar mensagens e percepções que causariam mais impacto, mesmo dentro da esfera social. Entretanto, é preciso salientar, não estou dizendo que artista não deve pensar, pesquisar e expor esses pensamentos ou se valer de suas referências filosóficas, artísticas, históricas, pessoais e etc., tudo isso constitui a RIQUEZA ou a COMPLEXIDADE de uma obra de arte, mas não é, necessariamente, a melhor base para compor a profundidade de um labor artístico.
Ainda falando da inversão, ao mecanizarmos a profundidade ao âmbito racional e expressarmos a intensidade através da pulsão emocional, estamos operando a lógica sobre a sensibilidade humana e dando livre vazão ao fluxo de sensações que pode ser mais facilmente dirigido pela razão, uma vez que as sensações causadas na intensidade, sim, são conscientes, tanto no sentido de que são mais analisáveis e até mais estudadas, quanto no sentido de serem mais claras e perceptíveis, portanto, mais maleáveis e passíveis de modelagem.
A profundidade está mais ligada à maneira de ler, interpretar e ressignificar os acontecimentos que ocorrem conosco ou ao nosso redor através de imagens, símbolos, arquétipos, desconstrução e reconstrução de paradigmas e, para além disso, em resumo de tudo que já foi dito, a profundidade é a postura que tomamos em arte e a sabedoria que dela pode ser extraída acerca do tema do qual tratarmos em determinada obra de arte. Assim sendo, quase que invariavelmente para se atingir uma profundidade mais abrangente, temos, enquanto artistas, de arquitetar analogias que exerçam a função de abrir a mente daqueles que nos leem através de nossas obras à possíveis leituras. E, para isso, em geral, se faz necessário que acessemos e sondemos o nosso inconsciente a fim de captar matéria-prima (as imagens, os arquétipos, os paradigmas e os símbolos) para que, então, possamos lapida-la numa atividade criativa que, naturalmente, integra os aspectos mental e emocional.
Por trazermos nossa matéria-prima primordialmente do terreno do inconsciente, não é raro que não entendamos completamente a totalidade de alguns trabalhos, pois a consciência pode não enveredar pelos caminhos simbólicos usados pelo inconsciente ou não abarcar em si a profundidade de significado das imagens evocadas, ou, ainda, por trabalharmos sobre as emoções e sobre o sistema de crenças dos receptores, pode haver variadas interpretações da mensagem transmitida, por mais bem elaborada que sua intenção esteja para nós. E isso não necessariamente é ruim; se pensarmos que o labor artístico tem como um de seus pilares a comunicação a nível subconsciente, então, é ótimo que pessoas diferentes consigam extrair diversas possibilidades de uma mesma obra, e até a mesma pessoa ter percepções diferentes dependendo de inúmeros fatores, como, por exemplo, experiência de vida, momento do dia, estado de humor, o ambiente. Essa variação de leitura pode acontecer inclusive com o próprio autor da obra, que pode descobrir meandros inesperados ao reler obras passadas em outro período de vida, ao adquirir outra lógica, ou mesmo a partir de um comentário de outras pessoas que lhe fornecem novas perspectivas, às vezes, revelando camadas muito mais profundas do que a intenção inicial do artista. A ocorrência de qualquer um desses eventos é um precioso indicativo de que a obra atingiu um grau elevado de profundidade.
Entretanto, não é só do inconsciente que provém a profundidade, podendo ser também, fruto do esmero artístico na lapidação da obra, do equilíbrio entre as outras partículas rudimentares (e aqui é preciso salientar que graus exacerbados de intensidade, riqueza, complexidade, ou transparência, em alguns casos, podem, além de não contribuir para a profundidade, mascarar a mensagem), ou mesmo de uma percepção racional diversa da habitual a cerca de determinado assunto, situação, e mesmo sobre o cotidiano; ou, ainda, momento de elucubração espontânea sobre quaisquer fatos, vulgo inspiração.
Com a evolução literária traçada ao longo dos últimos séculos, sobretudo em se tratando de poética, a profundidade passou a ser percebida e trabalhada de diversas formas. Por ora, consigo classificar e discutir claramente três destas formas, mas, lembrando, não estou determinando que hajam apenas três, pois, creio que vislumbro ainda muito longinquamente a ponta de um iceberg que exigirá um estudo colossal para ser completamente analisado. Acredito, por exemplo, que essas três formas de trabalho sobre profundidade são como os filos que dividem, na biologia, uma vasta gana de seres vivos que contém em si semelhanças básicas entre si e, que quanto mais detalhadamente o grupo inicial for analisado, mais criteriosa tem de ser a ramificação posterior em classes, ordens, gêneros, famílias e espécies, para que se faça um estudo focado nas características de um determinado componente do grupo inicial. Claro, neste texto, pretendo dizer-lhes as três formas que já identifiquei, pontuando-lhes as diferenças e demonstrando seus mecanismos de ação através de exemplos práticos de análise textual e, depois, exercícios de criação.
Conceituar a profundidade literária tem sido um desafio de todos os filósofos e literatos desde a "Poética" de Aristóteles, então a discussão remonta mais de dois mil e quinhentos anos, quando o dito autor classificou as criações literárias escritas em verso, ou seja, discurso que permite retorno, não precisando transmitir uma ideia retilínea (pensamento lógico de causa e efeito), escrito e pronunciado com base em formas rítmicas estruturadas, que eram, àquela época. naquele lugar, hoje Grécia, usadas principalmente para compor os textos interpretados em espetáculos teatrais que na verdade, ao que tudo indica, eram mais similares ao que hoje entendemos por musicais ou operas.
O interessante é que o filósofo ordenou os gêneros, prestem atenção, os gêneros da literatura artística de sua época numa escala nivelada pelo quê se propõe a contar e pela potencial catarse que seria causada a quem ouvisse ou lesse as diferentes composições, claro, partindo do ponto de vista de suas observações e considerações. Nesta escala, ele coloca que as epopeias - gênero poético extenso que se propõe a narrar a história de um povo, focando em um herói, e equivaleria ao que hoje se concebe como romance ou novela social. exemplos: Ilíada e Odisseia de Homero e já fora do contexto e da forma originais, Os Lusíadas de Luis de Camões e, dentro da modernidade, Morte e Vida Severina de João Cabral de Mello Neto - e as tragédias - gênero de extensão média ou longa que se caracteriza por narrar fatalidades que acontecem na vida da personagem protagonista em decorrência de escolhas efetuadas no sentido de evitar uma previsão negativa que acaba por acontecer em função das decisões tomadas, exemplo: Édipo Rei de Sófocles e, aqui podemos incluir Romeu e Julieta de Wlliam Shakespeare, e, se me permitirem a ousadia de considerá-la um bom ícone de tragédias modernas, A Hora da Estrela de Clarice Lispector - são gêneros de alta qualidade porque conseguem causar o choque que desencadeia reflexões sobre variados aspectos vida, tanto numa dimensão social, quanto na dimensão humana.
Em contraposição à estima do autor pelos estilos acima citados, há o seu desgosto, antipatia e falta de interesse pela poesia lírica e outras composições mais livres que em geral eram acompnhadas por melodias e trabalham sobre a intensidade pessoal a cerca de sentimentos humanos, como, por exemplo, a dor de um amor que não pode ser vivido, tema clássico que desde Safo - um poeta grego - é pauta para grandes trabalhos literários. Com o tempo, a simplicidade e delícia de poder expressar as próprias emoções foi se fazendo popular na poesia.
Mas o que realmente nos interessa dessa exumação histórica é, justamente, notar que desde a primeira teoria sobre arte poética ocidental, montamos uma divisão que coloca como fator qualitativo a possibilidade de ler a obra literária através de diversos ângulos, e, também, tendemos a não nos satisfazer apenas com a intensidade da expressão, já que, mesmo tendo ganhado popularidade pela facilidade de causar empatia, os poetas líricos, vem, gradualmente, através de muita lapidação ao longo dos últimos 6 ou 7 séculos, acrescendo ao gênero maneiras de atingir a profundidade catártica. E se pensarmos na enorme pluralidade de estilos da literatura contemporânea, principalmente em se tratando de poesia e composição musical, perceberemos o êxito do labor lírico precisamente naqueles que, de alguma forma conseguem ir além da pura expressão de suas paixões, criando uma atmosfera propícia a transcendência da mensagem. Claro, há quem se destaque pelo primor do trabalho sobre a intensidade, frequentemente isso acontece na área da composição musical, posto que hoje em dia a música vem sendo comumente encarada como entretenimento, enquanto que a poesia, apesar da gigantesca desvalorização e degradação social da imagem do poeta, ainda resguarda um tom de gravidade, muito em função do distanciamento que tolhe um contato verdadeiro entre massas populares e a poética escrita ou recitada.
A evolução da poesia lírica, bem como a transformação das epopeias em prosa artística, no decorrer da história, cria novas possibilidades de trabalho sobre profundidade literária, sem modificar sua essência. E qual, afinal, é essa essência?
A profundidade é, na minha visão, a partícula rudimentar que se ocupa da importância da mensagem transmitida pela presença constituída, dos possíveis desdobramentos e releituras a que se pode chegar a partir da mensagem inicial, bem como, as reflexões que essa mensagem e suas potenciais interpretações despertarão no receptor. Ou, simplificando, é aquilo no que ficamos pensando enquanto estamos envolvidos pela intensidade do texto e as ideias que são extraídas a partir da repulsa ou da empatia que geramos para com esse pensamento. Por isso há a necessidade de as duas intensidade e profundidade estarem em equilíbrio. Não é uma regra absoluta, mas, quase sempre, há uma relação inversamente proporcional entre as duas, ou seja, quanto mais intenso um texto, menos profundo ele será e vice-versa.
Essa oposição normalmente acontece porque a intensidade é habitualmente operada pela expressão emocional, enquanto que a profundidade é comumente concebida como fruto de uma atividade inteiramente racional. Essa perspectiva, em minha visão, chega, em muitos casos, à inversão da potência poética, pois, tende a ignorar a arte enquanto veículo de expressão do inconsciente tanto individual quanto coletivo e limita o papel do artista aos arredores da filosofia.
O que quero dizer com isso é que profundidade, em qualquer arte, não precisa necessariamente ser estruturada a partir do pavimento de um raciocínio lógico e que, alias, quando nos forçamos a seguir uma corrente acabamos, muitas vezes, por reproduzir em arte a consagração dos mesmos pensamentos que já povoam a mente da maioria pessoas e, ao fazer isso, estamos nos privando de passar mensagens e percepções que causariam mais impacto, mesmo dentro da esfera social. Entretanto, é preciso salientar, não estou dizendo que artista não deve pensar, pesquisar e expor esses pensamentos ou se valer de suas referências filosóficas, artísticas, históricas, pessoais e etc., tudo isso constitui a RIQUEZA ou a COMPLEXIDADE de uma obra de arte, mas não é, necessariamente, a melhor base para compor a profundidade de um labor artístico.
Ainda falando da inversão, ao mecanizarmos a profundidade ao âmbito racional e expressarmos a intensidade através da pulsão emocional, estamos operando a lógica sobre a sensibilidade humana e dando livre vazão ao fluxo de sensações que pode ser mais facilmente dirigido pela razão, uma vez que as sensações causadas na intensidade, sim, são conscientes, tanto no sentido de que são mais analisáveis e até mais estudadas, quanto no sentido de serem mais claras e perceptíveis, portanto, mais maleáveis e passíveis de modelagem.
A profundidade está mais ligada à maneira de ler, interpretar e ressignificar os acontecimentos que ocorrem conosco ou ao nosso redor através de imagens, símbolos, arquétipos, desconstrução e reconstrução de paradigmas e, para além disso, em resumo de tudo que já foi dito, a profundidade é a postura que tomamos em arte e a sabedoria que dela pode ser extraída acerca do tema do qual tratarmos em determinada obra de arte. Assim sendo, quase que invariavelmente para se atingir uma profundidade mais abrangente, temos, enquanto artistas, de arquitetar analogias que exerçam a função de abrir a mente daqueles que nos leem através de nossas obras à possíveis leituras. E, para isso, em geral, se faz necessário que acessemos e sondemos o nosso inconsciente a fim de captar matéria-prima (as imagens, os arquétipos, os paradigmas e os símbolos) para que, então, possamos lapida-la numa atividade criativa que, naturalmente, integra os aspectos mental e emocional.
Por trazermos nossa matéria-prima primordialmente do terreno do inconsciente, não é raro que não entendamos completamente a totalidade de alguns trabalhos, pois a consciência pode não enveredar pelos caminhos simbólicos usados pelo inconsciente ou não abarcar em si a profundidade de significado das imagens evocadas, ou, ainda, por trabalharmos sobre as emoções e sobre o sistema de crenças dos receptores, pode haver variadas interpretações da mensagem transmitida, por mais bem elaborada que sua intenção esteja para nós. E isso não necessariamente é ruim; se pensarmos que o labor artístico tem como um de seus pilares a comunicação a nível subconsciente, então, é ótimo que pessoas diferentes consigam extrair diversas possibilidades de uma mesma obra, e até a mesma pessoa ter percepções diferentes dependendo de inúmeros fatores, como, por exemplo, experiência de vida, momento do dia, estado de humor, o ambiente. Essa variação de leitura pode acontecer inclusive com o próprio autor da obra, que pode descobrir meandros inesperados ao reler obras passadas em outro período de vida, ao adquirir outra lógica, ou mesmo a partir de um comentário de outras pessoas que lhe fornecem novas perspectivas, às vezes, revelando camadas muito mais profundas do que a intenção inicial do artista. A ocorrência de qualquer um desses eventos é um precioso indicativo de que a obra atingiu um grau elevado de profundidade.
Entretanto, não é só do inconsciente que provém a profundidade, podendo ser também, fruto do esmero artístico na lapidação da obra, do equilíbrio entre as outras partículas rudimentares (e aqui é preciso salientar que graus exacerbados de intensidade, riqueza, complexidade, ou transparência, em alguns casos, podem, além de não contribuir para a profundidade, mascarar a mensagem), ou mesmo de uma percepção racional diversa da habitual a cerca de determinado assunto, situação, e mesmo sobre o cotidiano; ou, ainda, momento de elucubração espontânea sobre quaisquer fatos, vulgo inspiração.
Com a evolução literária traçada ao longo dos últimos séculos, sobretudo em se tratando de poética, a profundidade passou a ser percebida e trabalhada de diversas formas. Por ora, consigo classificar e discutir claramente três destas formas, mas, lembrando, não estou determinando que hajam apenas três, pois, creio que vislumbro ainda muito longinquamente a ponta de um iceberg que exigirá um estudo colossal para ser completamente analisado. Acredito, por exemplo, que essas três formas de trabalho sobre profundidade são como os filos que dividem, na biologia, uma vasta gana de seres vivos que contém em si semelhanças básicas entre si e, que quanto mais detalhadamente o grupo inicial for analisado, mais criteriosa tem de ser a ramificação posterior em classes, ordens, gêneros, famílias e espécies, para que se faça um estudo focado nas características de um determinado componente do grupo inicial. Claro, neste texto, pretendo dizer-lhes as três formas que já identifiquei, pontuando-lhes as diferenças e demonstrando seus mecanismos de ação através de exemplos práticos de análise textual e, depois, exercícios de criação.
As três formas da profundidade que já identifiquei são: a profundidade por desdobramento de sentido, a profundidade por ressignificação do cotidiano (que abarca a profundidade por ruptura com o padrão) e a profundidade por tradução de sentimento. Essas modalidades podem operar individualmente ou em todas as variações de conjunto, podendo haver obras que condensem em si todos esses tipos de labor. Para entendermos cada um desses trabalhos, é necessário que compreendamos como funciona a visão de profundidade da pessoa que consegue usar tal maneira de pensar e contextualizar o mundo. Abaixo textos específicos sobre cada tratamento de profundidade.
Falaremos em textos poesteriores sobre as modalidades da profundidade.
Falaremos em textos poesteriores sobre as modalidades da profundidade.
Por ora, fica o exercício: observar a natureza ao seu redor e escrever um texto ligando a natureza a um sentrimento!