sábado, 21 de abril de 2018

GRATIDÃO, POR ME CORTAREM AO MEIO!

Como não falar da noite de ontem? Como não tentar descrever a satisfação artística a que fui, surpreendentemente submetido? Se tem uma coisa que me agrada em morar em Embu das Artes, nesse momento histórico que essa cidade atravessa, é a efervescência da genialidade dos artistas que parece ter tido alguma espécie e permissão divina pra abençoar os eventos recentes.

De fato, desde a exposição que homenageou o artista plástico Hugo Fernando em agosto do ano passado, há uma crescente tendência de se pensar o espaço das exposições como cenários de espetáculo. A exposição de Hugo Fernando foi um marco, um divisor de águas.

Pelo sucesso artístico em revelar a beleza das obras em sua mais pura resplandecência e magnitude e pela  massiva aceitação popular, essas montagens cenográficas rapidamente ganharam espaço e prestígio, de tal maneira que. ás vezes, já é possível notar um desequilíbrio, pois as montagens acabam por deter mais requinte e sofisticação do que a própria obra exposta.

De certo, não fui isso que vi ontem, na exposição do ourives Paulo Jóia, figura simples que conheci recentemente, amizade que veio como fruto bem-quisto da convivência pelas ruas do Largo 21 de Abril, durante a Exposição FlorEmSer.

O que vi ontem foi uma harmonia enaltecedora, forjada com carinho e respeito, onde podia se admirar com muita facilidade a dócil simplicidade do trabalho artesanal, cunhado do que é abundante na natureza, desfilar uma elegância, uma fineza, uma sensualidade natural que se elevava aos estados sublimes de joias pelo labor do artista e pela montagem da exposição. Cada obra de Paulo Joia é uma iguaria para ser deliciada com o olhar e a embriaguez total me veio quando, ao questionar o artista sobre o nome das obras, ele me disse carinhosamente algo como: "Todas se chamam "Gratidão", fui acolhido e instruído por tanta gente nessa cidade... Essa é minha maneira de retribuir."

A exposição está aberta ao público no Centro Cultural Mestre Assis, no Largo 21 de Abril, nº 29. A ausência de fotos foi involuntária, mas até que vem a calhar. Aguça a curiosidade.

Embora a beleza plástica de Paulo Jóia tenha me deslumbrado, meu coração pertence (e isso não é segredo a ninguém) a duas outras artes: a delicada e sensual Literatura e a irrefreável e avassaladora Atuação. E as duas me esperavam inesperadamente juntas, na sala Ana Moysés, para o lançamento do livro  "Me cortando ao meio" de Ro Figueirado. Esperando um tranquilo e tradicional sarau,fui atropelado pelo impacto da presença de um palco cenográfico, onde música, dança e poesia bailavam dentro de uma interpretação espontânea, lúdica, marcadamente leve e solta, brincante ao sentidos, tal qual a poesia do livro que dava texto às vozes e forma aos corpos de Eliene Farias, Vinícius Mazza e do próprio autor, Ro Figueiredo, sob as luzes orquestradas por Gil Filipe..

O espetáculo artisticamente desconexo, desconstruído, contemporâneo, feito para ser sentido, respirado, o que, de certa maneira, afrontou benevolamente o meu senso pessoal e artístico pela semântica das coisas, abrindo-me portas para um novo trabalho teatral que se tudo correr bem, será mostrado a mundo no lançamento do meu quinto livro, Luz de Prata, que já está em processo de edição. (Farei um texto especifico sobre essa obra que pretendo lançar em breve).

De tão impressionado com o espetáculo, adquiri o livro que já devorei em duas horas, hoje pela manhã. É uma obra leve, incandescente, consumível, consumável e combustível, na qual não verifiquei sequer a intensão de ser uma obra poética, num sentido técnico, porém muito belo sentimentalmente. Tal despretensão técnicapodia soar como desleixo ou infantilidade, mas, nesse caso, conferiu ao autor uma noção de absurda liberdade para a qual somos arrastados e sugados na obra. Dentro dessa liberdade, da linguagem coloquial - voltada para o virtualismo cotidiano das redes sociais - que torna "Me cortando ao meio" um deleitoso oásis de refrescantes labaredas emocionais em meio aos discursos retóricos aos quais estamos habituados, mesmo em ambientes artísticos; podemos encontrar um compositor brilhante, um espiritualista consciente, um filósofo num bar rodeado de amigos, um romântico enamorado e,bem lá no fundo, um poeta clássico querendo alivio às dores de um solitário e solene coração partido.


Edgar Izarelli