Confirmei a gravidez através de um teste de farmácia,
comprovando que meu corpo, ha
três meses se transformava para abrigar outro. Claro que eu,
como mulher, me percebia diferente antes disso...
Meu marido e eu aceitamos e ficamos assustados, afinal não
tínhamos muito (não que hoje tenhamos alguma coisa) além da vontade de ter um
filho e muito amor pra dar à nossa vida de casal. Eu tinha 18 e ele 24 anos,
decidimos fazer arte juntos e ser artista é “mais ou menos” complicado, além de
ter fé no teu trabalho, você precisa correr atrás e ser bem cara de pau, diga-se
de passagem. Nós amamos o que fazemos e somos isso, não iríamos abrir mão, um
filho seria um orgasmo artístico porque tem muuuito amor envolvido e amor é o
jeito mais gostoso de se inspirar pra novos trabalhos! Sim, estávamos otimistas
e felizes, mas isso depois de pirar um pouco, desacreditando de tudo isso. São
processos de aprendizado.
Eu, aceitei meu corpo e aceitei todas as mudanças que
estavam por vir, já sabia que não seriam poucas, nem fáceis, que bom que eu
nunca gostei das coisas fáceis!
Aceitei também o jeito que meu corpo se adaptava a tudo
isso, foi tudo diferente... Crises emocionais todos os dias, às vezes enjôos, o
aparecimento de marcas para que eu nunca me esqueça o que eu estava me
tornando. Pra mim, tudo isso era magnífico! Nada de sacrifício! Tudo lindo. Era
lindo como meu quadril aumentava, como minha barriga enchia, era lindo até as
estrias que apareciam. De vez em quando, eu me sentia insegura, mas meu marido
sempre me deu a estrutura que toda mulher precisa em fase de “lua cheia”. Ele
repetia sei lá quantas vezes por dia o quanto eu estava linda, o quanto ele me
desejava e como era lindo meu corpo... Eu nunca tive e agora tenho menos ainda
a dúvida de que ele é a pessoa certa pra mim.
Mudamos tudo, além do corpo e do tempo, mudamos a estrutura
de nossas vidas.
Eu passei a morar com meu marido, minha sogra e a mãe dela.
Fizemos um escritório pequeno e engraçado, porque no quarto não cabia mais
nada! Tinha o computador dele, que é indispensável pra nós dois porque usamos
pra fazer divulgação do nosso trabalho, pra receber encomendas e meu marido
escreve suas poesias e livros nele. Tinha a minha mesa com um monte de tintas
(que eu acho pouco), pincéis, potes pra misturar cores, camisetas, moldes de
madeira pras camisetas, telas de pintura e madeiras pra pintura também. O
Quarto era cheio de papéis, roupas e cheiro de tinta, ainda estava por vir um
bebê. Precisávamos de um escritório.
Ganhamos uma cama de casal que ocupou ainda mais espaço, sem
dúvidas era melhor do que dormirmos espremidos na cama de solteiro!
Começamos a planejar o parto. Aí ficou tenso.
Eu queria desde sempre um parto humanizado, o mais singelo
possível, em que eu não precisasse ficar presa numa cama de hospital onde
ninguém se importa com o meu estado emocional, que é o que faz a REAL diferença
num trabalho de parto.
Sim, eu queria um parto de índia. Queria agachar, empurrar
meu filho e sair andando com ele, o amamentando e muito feliz com sua chegada.
Minha mãe se assustou, teve medo de eu morrer no meu parto
por ser inconsequente ou pior, do meu filho morrer por falta de assistência
médica e de intervenções necessárias. Meu pai teve o mesmo medo, claro. Eu já
imaginava.
Todos estranharam minha escolha, mas todos me conheciam:
Quando eu “botava” alguma coisa na cabeça, não tinha quem tirasse!
Aos poucos, fui mostrando vídeos de partos domiciliares, fui
evidenciando algumas coisas, alguns procedimentos hospitalares que eram
extremamente desnecessários em gestações saudáveis e até em gestações de risco.
Intervenções que agrediam o corpo da mulher, o corpo do bebê e a saúde mental
dos dois, o que deveria ser preservado em primeira instância!
Aprendi ou Reaprendi que o meu corpo é capaz de gerar e de
parir um bebê, que eu teria passagem pra ele no tempo DELE, que eu sentiria
dores, que seria rápido ou não, que minha bolsa iria romper ou não, que ele
choraria assim que saísse de mim ou não, que eu teria cortes na vagina, devido
à passagem do bebê ou não (e que cicatrizaria bem mais fácil e menos dolorido
do que uma episiotomia). Bom, eu só precisava parir.
Toda gestante deveria ter a sua, independente do parto
desejado... A minha foi uma iluminada, parece que tinha a personalidade que eu
precisava naquele momento: calma, super atenciosa, super dedicada e de uma
energia linda. Ela sempre soube o que dizer e quando dizer. (GRATIDÃO <3)
Com ela veio a equipe, as enfermeiras, duas igualmente
lindas, que me auxiliaram e me ensinaram muito sobre confiar em mim que eu
saberia o momento certo das coisas acontecerem.
Fiz meu plano de parto, preparei o quarto pra receber meu
filho, preparamos a casa pra chegada dele. Fiquei impressionada com o tanto de
coisas que são necessárias para um parto domiciliar, de fato usamos tudo. Eu e
meu marido estávamos muito felizes e com 39 semanas começamos a ficar
ansiosos...
Dia 7 de Abril foi aniversário do meu amado, e na madrugada
do dia 8 vieram contrações. Eu nunca tinha sentido, não tive contrações de
treinamento, se tive nem percebi. Ficaram todos eufóricos e decidimos chamar a
doula, Aline Tarraga.
Eu sentia que não era hora ainda, mas a ansiedade é tamanha,
até atrapalhou.
Não era, de fato. Aline me deu um chá de camomila, ela
percebeu que eu estava um pouco estressada e ansiosa, depois foi embora.
Passamos UMA SEMANA achando que eu iria entrar em trabalho
de parto de madrugada, agora isso é muito engraçado, mas Ed e eu sabemos o
quanto ficamos tensos... Com o passar dos dias e nenhum sinal diferente, eu
decidi FINALMENTE relaxar um pouco, me desconectar, deixar meu corpo agir sem
aviso prévio. Busquei “ocitocinar” pra ajudar.. Comer coisas que eu gosto,
namorar bastante (SIM, com barrigão de 9 meses), saí pra dar um passeio na
feira de arte com meu marido e meus pais. Na madrugada de domingo, depois de um
dia lindo e proveitoso, comecei a sentir alguma coisa diferente... As contrações
estavam um pouco mais fortes e mais cansativas, me tiravam o sono. Vinham de
cinco em cinco minutos, de três em três, espaçavam, voltavam, mais forte, mais
fraca. Ah que chato!
Eu não dormia, ficava sentada na bola de fisioterapia pra
relaxar e tomava chá de hortelã porque é estimulante, a coisa não anda, tensão
de novo...
Dormi um pouco e acordei com contrações mais doloridas só
que suuuuper suportáveis em comparação ao que estava por vir.
A Aline veio de novo, passamos o dia estimulando, andando de
cócoras, tomando chá, fazendo yoga, demos uma volta na rua, estava um dia
bonito de outono, mas... Nada de diferente.
Dormi pouco de novo, as contrações estavam chatas, dando dor
na lombar, não dava jeito pra dormir com a barrigona, o Renato estava de ponta
cabeça, portanto minha bexiga não parava de funcionar. Eu já estava cansada de
esperar, cansada de tomar chá e cansada de estar cansada.
Na madrugada do dia 13 de Abril as contrações FINALMENTE
ficaram mais intensas. Ed e eu contamos elas e estavam com um ritmo bem
marcado, cinco em cinco minutos e com duração entre 45 e 60 segundos. Opa, até
que enfim!
Avisei a Aline e parece que ela sabia (acho que ela sabia) porque
na hora ela disse que estava vindo pra cá. Eu achei estranho porque eu mesma
disse a ela que não era tão necessário que ela viesse ainda, mas ela quis vir,
significa que alguma coisa está diferente. Ela chegou aqui lá pelas 4 da manhã,
super calma como sempre veio sentir as minhas contrações. Eu não quis chá nem
nada, só quis esperar. Todos foram dormir, afinal de contas nada de alarmante
acontecia.
Eu fiquei acordada, fui tentar dormir, apaguei durante uma
meia hora (meia boca) e acordei sentindo dor. Dei um tapa no Ed e só consegui
dizer: Dooooor! Ele acordou todo assustado, eu levantei porque estava horrível
ficar deitada e saí rebolando pela casa, o que ajuda bastante no inicio. A
Aline acordou comigo já gemendo um pouco, sentiu como estavam as contrações e
marcou algumas pra ter certeza, já estava na hora.
Daí por diante minha cabeça apagou bastante coisa, vou
tentar detalhar o que marcou pra mim.
Comi açaí, a Aline fazia massagem pra aliviar quando as
contrações vinham, eu tirei o vestido que eu tinha dormido, coloquei um top e
duas blusas de frio, sentei na cama e fiquei ali durante o que pareceu pra mim,
um bom tempo. Disse pra Aline: Eu estou tonta, estou estranha. Ela disse que
era normal, eu já estava na partolândia!
Coisa engraçada isso de partolândia, a gente fica parecendo
drogada, não consegue formular frases e faz cara de orgasmo o tempo todo. Além
disso, eu ainda não conseguia manter meus olhos abertos nem prestar muita
atenção na quantidade de coisas que aconteciam a minha volta. Aos poucos isso
tudo foi se apagando e eu só conseguia prestar atenção no meu corpo. Minha mãe
chegou com a minha tia, ouviu um gemido meu e já saiu chorando (isso eu vi!) e
olha que assim que eu a vi eu avisei: “Mãe, eu estou gritando durante as
contrações! Não se assusta.” Não adiantou e eu entendo, se fosse a minha filha
eu também ficaria assustada. A Aline avisou as enfermeiras,
Lembro dela falando com a Babi Bordegatto, uma das
enfermeiras, pelo celular, quando eu comecei a gritar por causa de outra
contração e ela colocou o celular perto da minha boca pra Babi ouvir e logo ela
chegou... “Logo”.
Aí eu já não pedia, eu implorava massagens! Babi fez o toque
pra conferir a dilatação, já que as contrações estavam tão fortes. Eu estava
com 5cm, o que é bom, muito bom! Faltavam 5cm, cada contração me ajudava a
dilatar e a ultima ajudaria meu filho a descer, vamos lá que tá tudo certo!
Eu não me lembro bem o suficiente de como era a dor da
contração, não me lembro porque eu gritava tanto, fiz como as meninas me
orientaram, vocalizar realmente ajuda muito. Gritar na hora em que vinham as
contrações me dava força, eu me sentia no ápice de tudo que já vivi. É
diferente de tudo e gritar é como um instinto que eu tive, uma necessidade.
Eu me sentia como uma ursa, urrava pra mim mesma, pra me
fazer acreditar que era capaz de passar por aquela experiência, que eu seria
capaz de parir e de criar meu filho.
Nenhuma dor importava, eu só queria que meu filho viesse
logo pra mim.
Cinco horas depois chegou a outra enfermeira, a Bárbara C.
Grande, que fez outro toque em mim pra conferir novamente a dilatação. Para
nossa surpresa e aflição maior: Ainda estava em 5cm!
Primeira coisa que eu pensei: Puta merda! Essas contrações
não estão servindo pra nada? Eu to aqui sofrendo a toa? Ah, agora eu já to aqui
mesmo, não vou sair, não vou pra hospital!
Depois disso as contrações ficaram MUITO fortes, aquele top
e as blusas de frio já não existiam, eu fiquei nua e não quis nem saber!
Em pouco tempo comecei a imaginar uma anestesia bem
bonitinha me tirando toda aquela dor e talvez, quem sabe, até uma cesárea! (AF)
Logo me fortaleci.
Teve um momento em que eu sinalizava que “não” com a cabeça
o tempo todo, sinal de negatividade, eu estava quase desistindo. A Babi chegou
perto e me perguntou por que eu estava “fazendo não”, perguntou se eu estava
desistindo ou algo assim. Em seguida eu comecei a “fazer sim”, não como resposta à pergunta dela, mas, a mim mesma.
Sim, eu consigo. Eu vou ter meu filho aqui, em casa, nós
dois ficaremos bem.
Detalhe, o Renato que é forte igual a mamãe e o papai, não
se cansou nem parou de trabalhar comigo, ele esteve o tempo todo bem!
Meu marido me dava força o tempo todo, eu ouvia palavras de
carinho dele o tempo todo, ouvia palavras de carinho de todos. Uma energia
forte tomava a casa, todos pedindo intensamente para que tudo fluísse da melhor
forma. Foi tão bonito!
Eu ouvia ele me dizer, lá longe como se fosse uma lembrança
distante, que eu conseguiria, que eu era forte o suficiente, que ele confiava
em mim, que todos confiavam. Ele dizia que eu estava linda, que eu deveria me
conectar com a minha ancestralidade, a Aline também dizia. A Babi cantou pra me
acalmar, que coisa linda!
Eu botei na minha cabeça que me deu prisão de ventre de
tanto comer açaí e que isso atrapalharia o parto, que me faria sentir ainda
mais dor. A Aline disse que não, mas eu nem tava escutando meus pensamentos
direito...
Contrações insuportavelmente suportáveis, o pessoal dizia
conseguir ver a cabeça do bebê na minha lombar, eu não queria nem saber! Só
queria fazer cocô logo (eu dou muita risada com isso agora). Eu ia no banheiro
no intervalo das contrações que praticamente não existia mais, começou a sair
sangue, todos ficaram preocupados, mas a Aline, a Babi, meu marido e eu
sabíamos que era normal, eu nem liguei pro sangue na verdade.
Me vinha uma vontade absurda de fazer MUITA força, muita
mesmo, tipo descontroladamente.
Fui tomar um banho, relaxou bastante, mas as contrações não
paravam. A Babi me deu um banquinho pra sentar em posição de cócoras, eu queria
chutar aquele banquinho, só conseguia ficar de pé e olhe lá. Mas eu tentei. Ia
eu ficar de cócoras com aquela dor danada, não durava nem 5seg daquele jeito.
Pediam pra eu ficar em 4 apoios (pior ainda), eu ficava. Só queria que o Renato
saísse.
Comecei a GRITAR MUITO, eu estava exausta, já não tinha tanta
força no meu grito, mesmo assim eu persistia... Aline me perguntou o que
significava aquele grito, eu respondi “força” a ela.
Eu estava dando o máximo de mim, muito mais do que um dia eu
achei que fosse capaz.
Eu estava provando pra mim mesma que eu posso parir, que eu
posso ser mãe, que meu corpo faz isso perfeitamente assim como as minhas
ancestrais faziam.
Nesse momento eu chamei elas, eu chamei toda a minha força
de todas as vidas que eu já tive um dia. Eu me emociono quando me lembro tudo
que eu pensei nesse momento.
Estávamos no banheiro, eu tentando fazer cocô ainda, Aline e
Babi me dando força quando vinham contrações. Eu me levantei e disse com uma
cara de frustrada: o cocô
não sai!
A Babi me disse que queria fazer o toque de novo, pra ver o
que estava acontecendo. Eu não quis, não queria, queria deixar fluir e se ela
conferisse e não estivesse totalmente dilatado eu iria desistir.
Então ela pediu que eu colocasse o meu dedo na vagina. Eu
coloquei, senti uma “coisa diferente”, arregalei os olhos e tirei o dedo
rapidamente.
Ela sorriu e colocou o dedo pra conferir, já estava de
luvas, elas já sabiam!
Olhou pra mim e disse: Seu Renato está aqui! Lua é o seu
Renato!
Aí eu chorei rindo, não acreditava, mas já? Eu que achei que
isso duraria mais uma eternidade... Eu consegui? Só falta empurrar?
Que coisa mais linda! Eu não aguentava mais nada, depois de
ouvir isso parece que a minha energia voltou mais forte do que nunca!
Eu havia declarado no meu plano de parto que queria que o
expulsivo fosse na banheira, foi quase isso, foi no banheiro! No banquinho da
posição de cócoras que eu odiava até então.
Depois de 15h de trabalho de parto, as 21:05.
Todos começaram a encher a banheira o mais rápido que
conseguiam, mas não deu outra, a cabeça do meu Renato já tinha saído pela
metade. Invoquei meus anjos e demônios pra fazer aquela força, senti a cabeça
dele passar e logo em seguida outra força pra passar o corpinho. Eu fiquei tão
feliz, nunca tinha sentido tanto amor, tanta completude, tanta felicidade!
Levantei, entusiasmada com a situação e ploc! A placenta nasceu, simples assim,
como tem que ser. Saí andando com meu Rei nos braços, meu marido se esguelava
de felicidade pelos cantos, isso eu vi num vídeo que fizemos.
Eu só tinha olhos para aquele serzinho lindo de tanta luz...
Toda a dor passou, toda a insegurança, todo medo, ansiedade. Agora era tudo
amor.
Eu, num passe de mágica, sabia segurar um bebê recém
nascido, sabia o amor que tinha por ele.
Eu me transformei, me retorci, e não mudaria absolutamente
NADA! Quero outros filhos e quero que nasçam assim, no tempo deles, do jeito
deles.
Transitei de donzela para mãe, igual a lua, como todo
processo grandioso de evolução nós sentimos dor, sentimos medo. Meu Renato
também sentiu, também trabalhou para nascer. A dor do parto é o que nos faz
entender o que está por vir, nos faz ser forte para isso.
Toda mulher merecia passar por isso, todo pai deveria
acompanhar isso. É único, cada detalhe faz toda a diferença.
Abençoada seja a sua caminhada meu pequeno grande Rei, eu te
vi sair de mim e não há quem me tire essa lembrança, essa verdade. Você me deu
a força que eu precisava.
Renascemos, eu, a Mãe Lua, Renato e papai Ed.