Bom dia, gente!
Tive a ideia de começar a fazer críticas dos livros de autores, principalmente os contemporâneos; mas farei também de autores consagrados. É uma maneira riquíssima de divulgar a literatura e ajudar alguns colegas de profissão, tudo isto enquanto me aprimoro, pois, para mim, ler é pesquisa de campo!
Sobre a autora (já a citei neste blog, provavelmente com seu
verdadeiro nome, Hilda Milk), conhecemo-na, a Lua e eu, durante a Bienal do
Livro. Figura simpática e bastante extrovertida, conversou conosco durante
cerca de uma hora, compartilhando conhecimentos e contatos. Ela administra o
blog Escritores Sem Fronteiras (1 e 2) e também o grupo no facebook de mesmo
nome, onde os escritores partilham contos, poesias, links interessantes, enfim,
uma vasta gama de material para quem aprecia a arte da literatura. Vele a pena
conferir! (links do final do texto)
Dias depois, nos encontramos novamente e trocamos nossos
livros. Acabei a leitura do livro “O Ogro e a Tecelã” alguns dias atrás e
estava me dando o tempo certo de sua digestão antes de escrever o presente
artigo.
Em linhas gerais, a obra é um livro de contos infanto-juvenis
de variadas linhagens genealógicas, quase sempre apresentando características
marcantes dos contos-de-fada, o que me deu, em determinadas ocasiões, a
sensação de uma releitura de contos já consagrados. Entretanto, contém uma
narrativa primária que encadeia as demais, seguindo, basicamente, a mesma linha
de raciocínio do famoso texto árabe “As Mil e Uma Noites”. Não sei dizer se tal
semelhança foi intencional, mas confesso-me deveras inclinado a acreditar nesta
premissa.
Uma outra característica que me chamou demasiadamente a
atenção foi o amplo vocabulário utilizado no decorrer de todo o livro, o que
foi um tanto surpreendente, artisticamente falando, pois foge à regra básica
para literatura infantil, uma vez que não considera a criança incapaz de
compreender verbetes requintados da nossa língua. Fico em dúvida de afirmar
categoricamente que o uso deste alto calão linguístico seja totalmente
deliberado, visando, por exemplo, uma brusca revitalização da norma culta em
nossa juventude (processo realmente necessário); é preciso considerar a hipótese
de ser natural tal linguagem à autora. No entanto, me parece seguro afirmar
que, profissionalmente, usar este vocabulário é um risco que só é assumido, na
literatura, por quem realmente a língua; claro, levando-se em consideração o escasso
conhecimento que o nosso povo tem da norma culta. Este recurso não atrapalhou,
a meu ver, que se mantivesse a oralidade das histórias, mesmo por que ficou
evidentemente notória a preocupação da autora em conservar a tradição de se
contar histórias para as crianças antes de dormir.
Guerreira Xue, Ed e Lua |
Além disto, a maioria das histórias narradas é baseada numa
literatura considerada nova, onde os antagonistas têm sempre uma razão e/ou uma
personalidade que justificam seus atos. Entretanto, a maioria dos contos
presentes neste livro não tem exatamente a figura antagonista clássica,
apresentando, muitas vezes, uma situação-problema em seu lugar. É interessante,
pois isso propícia a formação do senso crítico, habilidade que é ainda mais
incentivada pela própria divisão do livro em uma narrativa primária durante a
qual os contos são contados.
Para que todos entendam, a narrativa primária apresenta um
menino de dez anos de idade chamado Guga, ele é filho de uma escritora e
pergunta a mãe se ela sabe contar histórias. A mãe responde que ela própria
escreve histórias e começa contá-las uma por noite.
Devido a esta constituição narrativa, a autora consegue
registrar não só os contos em si, mas, entre eles, também registra a reação do
garoto, seus questionamentos e impressões sobre os contos que a mãe narra. É
uma característica marcante do livro e pode funcionar como um ponto de partida
pra uma discussão mais profunda.
O livro contém seis histórias:
O Ogro e a Tecelã – Uma história que mescla muito bem todos
os elementos de um suspense. Um ogro, uma tecelã, uma bruxa, uma mãe louca, um
filho desaparecido e um marido cauteloso, em um reino que esconde algum
segredo.
A Viola Encantada – As aventuras de Zózimo, o pequeno elfo,
parece metaforizar, na minha interpretação, um programa assistencialista ideal
e certamente faz ao transformador da arte na sociedade.
Água de Chuva (Amanari) – uma emocionante história de amor
dos povos indígenas que mostra o ciclo perene da vida como o ciclo das águas.
A Rata e o Dragão – É um conto escrito em grupo. Para mim, se
assemelha a uma releitura do clássico “o Leão e o Rato”. O texto apresenta
várias reviravoltas interessantes.
Acorda, Catarina (meu favorito) – Uma moça intuitiva é
taxada de louca por um comportamento e uma certeza peculiar. A cidade inteira
zomba dela, mas ela mantém o hábito. Até que um acontecimento decorrente de sua
mania muda toda a sua vida.
Natal com Jesus (na minha opinião, o mais surpreendente) – Uma
menina cai num rio e é salva por um misterioso Jesus, o tipo é descrito como um
mendigo. Quem é esse Jesus? É realmente inesperado o desfecho deste conto.
Novamente em linhas gerais, o livro propõe desfechos
surpreendentes, rápidos (poderiam ser um pouco mais trabalhados e mais lentos,
mas, considerando impacto positivo que me foi transmitido, não vejo erros na
técnica escolhida) e abertos, características essas que tornam a obra uma
leitura altamente estimulante e formadora de senso interpretativo e crítico. A
autora claramente é dotada de um enorme talento, porém, eu gostaria muito de
ler uma narrativa mais extensa e mais detalhada, feita para um público que já
tenha senso crítico desenvolvido, para adolescentes ou adultos, por exemplo. Penso
que seu estilo poderia ser mais bem aproveitado em coisa menos fantásticas, mas
guardando sim o conceito do inesperado, como nos dois últimos contos do livro!
Retenho-me por aqui.
Abraço!
Edgar Izarelli.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOla Edgar e Lua! Muito obrigada pela critica ao livro, e suas palavras foram mais que pertinentes, foram generosas.
ResponderExcluirQuando coloquei estes textos, da forma que foram escritos, foi para provocar reflexão, e a crítica é parte fundamental
do contexto. Existe um público entre o o infantil e o adulto que é carente de uma literatura mais "requintada" e foi
realmente um risco lançar com este vocabulário, pois pouco escritores o fazem. Sou escritora das redes sosiais,
e tenho leitores, em maioria adultos, mas percebo que se os pais não ajudam, buscando e filtrando leitura na internet
para seus jovens leitores, os pequenos adolescentes ficam sem acesso para livros interessantes na rede. Por isso que
o livro se fez impresso em papel. Desde que o lancei tenho andado em via sacra de escola em escola , pois gostaria de
"promover" a aproximação entre o pequeno leitor e escritor. Talvez possamos mudar ou estreitar as relações entre ambos,
Desmistificar é palavra chave no momento, e tornar-se acessível também.
Um beijo grande da Hilda Milk/ Guerreira Xue
Edgar, parabéns pela crítica! Realmente, dá vontade de ler o livro! Guerreira Xue,
ResponderExcluirbastante esclarecedora a explicação. Grande abraço
Rodrigo da Rosa
Boa noite, caros amigos. Este livro foi recomendado aos meus alunos do 9 ano...ELES estão amando as narrativas...Gostaria de receber seu email de contato Sra. Guerreira. Assim o espero... Parabéns pela genialidade.
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